terça-feira, 25 de setembro de 2012

Andorinha.

Longe do grupo não conseguia alçar voo, se sentia acoada e desprotegida. Não sabia se impor e vivia se escondendo atrás dos outros.
Só que hoje ela está correndo perigo. Precisou se afastar do grupo para aprender uma lição, mas logo os gaviões se aproximaram. Se encolheu para fingir que não estava ali no alto da árvore, mas andorinha não é camaleão e não tem cor de folha, os gaviões sobrevoavam de longe, mas vigiavam de perto. Um descuido e andorinha virava jantar.
Encolhida e de cabeça baixa sentia vontade de chorar, mas não queria se render. Sabia que não tinha chances, mas não queria se entregar. Pensou no seu grupo e no orgulho que sentiriam dela.
Levantou a cabeça, inflou o peito e cantou.
Cantou alto a mais bela canção que conhecia.
Cantou e voou.
Naquele dia voltou sã e salva para o ninho. E cantando.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Sexta de Música #36

"Christ, you know it ain't easy
You know how hard it can be
The way things are going
They're gonna crucify me"

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Quinta de Poesia #36

Ela canta, pobre ceifeira, 
Julgando-se feliz talvez; 
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia 
De alegre e anônima viuvez, 

Ondula como um canto de ave 
No ar limpo como um limiar, 
E há curvas no enredo suave 
Do som que ela tem a cantar. 

Ouvi-la alegra e entristece, 
Na sua voz há o campo e a lida, 
E canta como se tivesse 
Mais razões pra cantar que a vida. 

Ah, canta, canta sem razão! 
O que em mim sente ‘stá pensando. 
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando! 

Ah, poder ser tu, sendo eu! 
Ter a tua alegre inconsciência, 
E a consciência disso! Ó céu! 
Ó campo! Ó canção! A ciência 

Pesa tanto e a vida é tão breve! 
Entrai por mim dentro! 
Tornai Minha alma a vossa sombra leve! 
Depois, levando-me, passai! 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Castelo de areia.

Era a rainha de uma estrutura em ruínas onde não se podia tocar nas paredes, pois desmanchavam e viravam nada. Mesmo assim, ela não tinha como escapar.
Em todos os cômodos da casa havia cheiro de algo em decomposição. Era um cheiro forte e sufocante, do qual ela não conseguia se livrar. Nem flor de plástico sobrevivia no castelo, mas lá estava ela.
O único relógio que havia lá marcava apenas duas horas: 23:59h e 00:00h. O final de cada dia e o início do próximo.
À noite tudo escurecia e lá estava ela, ainda mais presa e sufocada. A luz bruxuleante vinda do único candelabro não era o bastante para iluminar todo o castelo e já que nada se podia fazer, ela dormia sob essa luz. E sonhava com uma rainha de asas que estava presa em seu castelo e não conseguia fugir enquanto ele desmoronava em sua cabeça. Toda vez que acorda, ela sabe.
Ela sabe que o castelo é ela e ela é o castelo. 
Ela sabe que não há maneira de fugir de si mesma.
Mas talvez quando o relógio bater meia-noite tudo melhore. Talvez ela crie suas próprias asas e consiga voar para bem longe.
Talvez...