quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Minha menina.

Eu costumava ter um amor, a minha menina. E eu a amava de um jeito único, como deve ser. Mas eu tinha medo, medo de não ser suficiente para ela, medo de que tudo o que me fazia amá-la acabasse nos afastando.
Eu não compreendia o amor dela por mim, eu demonstrava meus sentimentos todo o tempo e ela se calava. Eu não compreendia que na verdade, ela queria me dizer que não haviam palavras, o amor estava ali e não precisava ser dito.
Eu não entendia essa necessidade dela de ajudar o mundo inteiro, mas ela tinha essa mania, achava que era Doroty. Queria dar coragem ao Leão, um coração ao Homem de Lata e um cérebro ao Espantalho. "Você não tem o mundo nas mãos, garota", eu tentava dizer, mas não adiantava. Ela queria abraçar o mundo, achava que podia. E no final, ela podia mesmo.
"E toda essa dor, menina? Por um acaso é escritora? E essa mania de encontrar Deus no mendigo? É Clarice Lispector?", eu acusava-a disto o tempo inteiro e ela apenas sorria, porque ela sabia os todos segredos de seu mundo.
Às vezes eu só queria mostrar as coisas como realmente eram, mas era ela que me mostrava tudo sem que eu percebesse.
Agora que ela não está aqui, me sinto um idiota por não enxergar essas coisas, por não ver que quando me presenteava com textos de Caio Fernando de Abreu, ela me dizia que era lá que estava. Nua e crua, nas palavras de outro homem. Um homem que nem a conhecia, mas ao contrário de mim, sabia decifrá-la. Agora eu só queria voltar ao tempo e dizer que não me importava, que eu amava por nós dois, que eu poderia dividi-la com o mundo, que se me contasse, entenderia sua dor. Agora eu só queria tê-la aqui comigo, abraça-la, deixar claro de que sua dor, poderia dividir comigo e dizer que a amo. Agora eu só queria que ela ainda me amasse a sua maneira.
Mas agora é tarde demais, é tarde para compreendê-la, é tarde para ela me compreender. Ela se cansou de mim e se cansou de me amar. Ou se cansou de que eu exigisse de seu amor.
Mas eu costumava ter esse amor. E eu a amava (e continuo amando) de um jeito único, como deve ser.

"Ela é mais que um sorriso tímido de canto de boca, dos que você sabe que ela soube o que você quis dizer. Ela fala com o coração e sabe que o amor, não é qualquer um que consegue ter. Ela é a sensibilidade de alguém que não entende o que veio fazer nessa vida, mas vive." (Caio Fernando de Abreu)